Tribunal brasileiro reafirma o poder da litigância para fortalecer a ação climática
Em julho, o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil - a mais alta Corte brasileira - decidiu que o Governo tem o dever constitucional de alocar os recursos econômicos necessários para apoiar o funcionamento do Fundo Verde do Clima, criado para apoiar o combate da crise climática e que estava paralisado nos últimos anos.
Com esta decisão, o Supremo julgou o primeiro litígio climático de sua história e estabeleceu um importante precedente para o Brasil e o mundo.
No julgado, a Corte brasileira equipara o Acordo de Paris - que busca fortalecer a resposta global à emergência climática - a um tratado de direitos humanos, concedendo-lhe um status mais elevado do que as leis ordinárias e outras normas inferiores, como os decretos do Poder Executivo.
Isto pode estimular que tribunais e juízes de outros países latino-americanos façam o mesmo reconhecimento.
"O Supremo Tribunal Federal criou um marco de proteção privilegiado para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, o qual garante um dos pilares fundamentais da ação climática: o financiamento", explica Marcella Ribeiro, advogada da AIDA.
"Além disso, deixou claro que o Poder Executivo, ao restringir recursos que por lei são destinados à ação climática, está deixando de cumprir os acordos e convenções internacionais sobre direitos humanos dos quais o Brasil é parte".
O Partido Socialista Brasileiro, o Partido Socialismo e Liberdade, o Partido dos Trabalhadores e o Partido da Rede de Sustentabilidade apresentaram em 2020, com o apoio do Observatório do Clima e do Instituto Alana, uma ação judicial sobre a omissão do governo brasileiro em outorgar recursos ao Fundo Climático.
A LITIGÂNCIA COMO UMA FERRAMENTA ESTRATÉGICA
O caso do Fundo Verde do Clima no Brasil demonstra que a litigância climática estratégica é uma forma eficaz e necessária para impulsionar que os governos e empresas do continente cumpram seus compromissos climáticos.
Em seu relatório mais recente, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês) destacou que a litigância relacionada ao clima está em ascensão e, em alguns casos, tem influenciado os resultados e a pretensão da governança climática, entendida como a forma pela qual diferentes atores - Estado, sociedade civil, academia e setor privado - definem, implementam e monitoram ações destinadas a enfrentar as causas e consequências das mudanças climáticas.
"No sul global, o Brasil é um dos países onde a litigância climática está se desenvolvendo mais fortemente", destaca Javier Dávalos, advogado sênior da AIDA. "O país é caracterizado por um crescente ecossistema de litigantes e organizações que estão levando a luta climática aos tribunais".
O impulso do Brasil para a litigância climática na região é essencial, uma vez que o país abriga 65% da Amazônia, um ecossistema chave para a regulação climática global e que está em sério risco.
O Brasil é o maior emissor de dióxido de carbono da América Latina, com o desmatamento representando a maior fonte dessas emissões. Neste sentido, foi de grande relevância o pronunciamento de um dos juízes responsáveis pelo caso do Fundo do Clima, que apontou explicitamente o grande aumento – mais de 22% – do desmatamento na Amazônia em 2021: o maior em 15 anos – em uma área total de 13.235 km².
Portanto, é imprescindível exigir perante os tribunais que o Estado brasileiro cumpra suas obrigações de proteger a Amazônia e o clima global.
A IMPORTÂNCIA DAS SOLUÇÕES DE FINANCIAMENTO
A transição para uma economia de carbono zero de modo a evitar os piores impactos físicos da mudança climática requer investimentos de quase US$ 125 bilhões até 2050, de acordo com o estudo "Net Zero Financing Roadmaps" encomendado pelos Campeões de Alto Nível das Nações Unidas.
Estes recursos devem vir de duas fontes complementares, financiamento privado e público. O financiamento governamental da ação climática representa uma política pública relevante e, portanto, deve estar de acordo com as leis de um país.
Em sua decisão, o Supremo Tribunal Federal brasileiro reconheceu o Fundo Verde do Clima como o principal instrumento federal para financiar a ação climática e cumprir as metas nacionais de redução das emissões de gases de efeito estufa. Também assinalou que o Governo manteve o fundo paralisado por dois anos.
A esse respeito, considerando que os recursos destinados a combater a crise climática buscam materializar os direitos humanos fundamentais, o Tribunal concluiu que o Governo não poderia restringi-los.
"Garantir a alocação de recursos para as ações climáticas significa estabelecer um limite claro do qual não podemos retroceder", afirma Marcella Ribeiro. "Apesar da clara violação dos deveres do Estado brasileiro com relação ao direito a um meio ambiente saudável, refletida no desmantelamento das normas e instituições ambientais, a decisão do STF brasileiro freou a erosão da proteção legal do meio ambiente e do clima no país".
Conheça este e outros casos na Plataforma de Litigância Climática para América Latina e o Caribe.
Marcella Ribeiro d'Ávila Lins Torres
Marcella Ribeiro d'Ávila Lins Torres es brasileña y abogada sénior del Programa de Derechos Humanos y Ambiente de AIDA, trabajando desde Brasil. Es licenciada en Derecho por la Universidad Federal de Paraíba, tiene un máster en Derecho Internacional de los Derechos Humanos de la Universidad de Notre Dame y un diploma en Abogacía para ONG por el Advocacy Hub. Se especializó en derechos económicos, sociales, culturales y ambientales; sistemas internacionales de derechos humanos y justicia climática. Es muy versada en la práctica del derecho de los derechos humanos a través del litigio, la incidencia y las campañas. Además, es responsable en AIDA de la coordinación de varios casos y proyectos con comunidades tradicionales, pueblos indígenas y personas defensoras de los derechos humanos. Coordina el equipo brasileño, siendo responsable de identificar oportunidades para expandir el trabajo de AIDA en el país. Marcella es el punto focal de AIDA en el trabajo con personas defensoras y el vínculo entre los programas de Derechos Humanos y de Clima.