2019

Como as barragens não cumprem o Acordo Climático de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU

Uma declaração conjunta de organizações da sociedade civil na ocasião do2019 World Hydropower Congress em Paris, França


Nós vivemos em uma era de urgência. Os cientistas alertaram que temos pouco tempo para agir no controle das mudanças climáticas e proteger a integridade da vida em nosso planeta.

Confrontar a crise climática requer soluções criativas que protejam a natureza e respeitem os direitos humanos. Diante desses desafios, nós não podemos permanecer silenciosos enquanto corporações lucrativas, financidores e seus aliados vendem falsas soluções para lidar com as mudanças climáticas e implementar o desenvolvimento sustentável.

Um exemplo flagrante de tal engano é a tentativa de retratar grandes hidrelétricas enquanto fontes “limpas e verdes” de energia, como pode ser visto no 2019 World Congress Hydropower. Organizado em Paris pelo lobby industrial da Associação Internacional de Hidreletricidade (IHA), em parceria com a UNESCO, o título da conferência diz “Cumprindo o Acordo Climático de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável."

Tais retratos brilhantes de projetos de barragens hidrelétricas – com pretenções de captar incentivos financeiros através de mecanismos como Climate Bonds e do Fundo Verde para o Clima – convenientemente ignoram um longo legado de catastrofes sociais e ambientas, desperdícios econômicos e, muitas vezes, esquemas maciços de corrupção que são a antítese do desenvolvimento verdadeiramente sustentável.

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Um convite à ação

As organizações da sociedade civil neste abaixo-assinado convocam os membros da International Hydropower Association (IHA), governos e instituições financeiras internacionais para implementar as seguintes ações urgentes:

  • Direcionar prioridades, investimentos e incentivos financeiros para projetos hidrelétricos adicionais, para eficiência energética e opções verdadeiramente sustentáveis de energia renovável (solar, eólica e biomassa e, quando apropriado, micro-hidro). Uma atenção especial deve ser dada a oportunidades de inovação tecnológica, geração descentralizada e melhoria do acesso à energia entre comunidades isoladas e fora da rede.
  • Eliminar incentivos financeiros para novos projetos hidrelétricos dentro de mecanismos de mudança climática, como o Fundo Verde para o Clima e Contribuições Nacionalmente Determinadas (iNDC), e dentro de programas para promover a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (com a possível exceção de projetos micro-hídricos).
  • Comissão de auditorias independentes para projetos controversos de barragens e cascatas localizadas na bacia, em termos das suas consequências sociais e ambientais, identificando medidas para mitigar impactos e garantir reparações para comunidades afetadas com base em consultas diretas. Quando tais medidas são proibitivamente caras ou inviáveis, o descomissionamento de projetos de barragens deve ser promovido.
  • Assegurar a harmonização de procedimentos operacionais para hidriprojetos já existentes com planos territoriais relevantes ao nível da bacia, como a gestão integrada dos recursos hídricos e áreas protegidas que garantem processos ecológicos essenciais e os direitos das comunidades locais, tendo por base os conceitos e ferramentas da gestão participative e adaptativa.
  • Garantir que as políticas e projetos de energias renováveis adotados, de maneira geral, tenham diretrizes robustas para salvaguardar os direitos humanos e proteção ambiental, seguindo a Convenção 169 da OIT e os Princípios das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos. Nenhuma instalação de energia que potencialmente cause impacto nos territórios e meios de subsistência dos povos indígenas e outras comunidades tradicionais deve ser autorizada sem obter o consentimento livre, prévio e informado da comunidade, sendo assegurado o desenho cooperativo das estratégias de co-manejo.

Entre os benefícios de tal mudança de paradigma nas estratégias de energia e planejamento de desenvolvimento estarão contribuições importantes para a proteção dos últimos rios de fluxo livre do mundo, vitais para a resiliência climática, conservação da biodiversidade e meios de subsistência sustentáveis.

As empresas de energia e os governos devem suspender todos os esforços para represar os rios de fluxo livre remanescentes do mundo e se concentrar em: i) melhorar a eficiência e a sustentabilidade dos projetos hidrelétricos e cascatas existentes; e ii) investir em eficiência energética e energias renováveis verdadeiramente sustentáveis.

Além disso, os governos devem promover urgentemente a proteção legal e permanente dos últimos rios de fluxo livre do mundo, incluindo cursos de água transfronteiriços, com o devido respeito pelos direitos territoriais dos povos indígenas e outras comunidades tradicionais, que desempenham papéis fundamentais como os guardiões dos rios saudáveis.

Leia a declaração completa aqui