Genebra - Foi apresentado hoje o relatório "Desmascarando o Canadá às Nações Unidas: Violações de Direitos em Toda a América Latina" durante a pré-sessão do Processo de Revisão Periódica Universal (RPU) das Nações Unidas em Genebra, que ocorre de 28 de agosto a 1 de setembro. Este documento foi entregue por uma delegação que inclui líderes indígenas do Brasil e da Colômbia, uma líder comunitária da Volta Grande do Xingu e demais representantes da sociedade civil latino-americana. As principais organizações indígenas do Brasil, APIB e COIAB, compõem a delegação.
O relatório é resultado do trabalho de mais de 50 organizações que organizaram três documentos críticos (Informe Regional, Informe Amazônico e Informe Petroleiro), os quais, juntos, cobram responsabilidade por abusos corporativos associados a 37 projetos canadenses distribuídos por 9 países da América Latina e do Caribe. Das conclusões principais, destaca-se que 32 projetos violam o direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável, como o caso da Frontera Energy, no Peru, responsável por 105 derramamentos de petróleo. Outros 26 projetos desrespeitam o direito ao Consentimento Livre, Prévio e Informado de comunidades impactadas, evidenciado nas táticas divisionistas usadas no projeto Warintza do Equador pela Solaris Resources Inc. Adicionalmente, 19 projetos infringem os direitos econômicos, sociais e culturais, como o impedimento ao acesso à alimentação e à manutenção de atividades econômicas tradicionais, visto no Projeto Volta Grande pela mineradora canadense Belo Sun no Pará, Brasil. Outros 16 impactam os direitos políticos e civis, gerando situações de risco para os defensores, como a militarização dos territórios, abuso pelas forças públicas em prol dos interesses empresariais e a criminalização desses defensores.
"Viemos aqui para denunciar o envolvimento das empresas canadenses em violações de direitos humanos no Brasil, particularmente o caso da mineradora Belo Sun, no Pará, que almeja estabelecer a maior mina de ouro a céu aberto do país. Embora o Canadá se promova como defensor dos direitos humanos e do meio ambiente, suas ações contradizem seu discurso, especialmente ao violar os direitos dos povos indígenas no Brasil. A discrepância fica clara quando sabemos que o Canadá não assinou a convenção 169 da OIT. Por isso, esperamos que os estados com os quais estamos em diálogo reconheçam essa realidade e pressionem o Canadá a reformular a atuação de suas corporações, buscando uma ação concreta em defesa dos povos indígenas e comunidades tradicionais", afirma Maurício Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB.
A Revisão Periódica Universal (RPU) é um processo que acontece a cada quatro anos, no qual todos os estados membros da ONU avaliam os registros de direitos humanos de seus pares. Este ano, a avaliação do Canadá será em 10 de novembro de 2023. Espera-se que os Estados membros considerem e incluam as recomendações feitas pela sociedade civil latino-americana. Dentre as sugestões apresentadas, destaca-se a necessidade do Canadá introduzir uma legislação vinculativa e abrangente centrada na devida diligência e responsabilidade corporativa. Isso inclui a supervisão de instituições financeiras e corporações canadenses ao longo de suas cadeias de fornecimento globais, com o objetivo de prevenir, mitigar e penalizar irregularidades corporativas, garantindo que vítimas dessas práticas no exterior possam buscar justiça e reparação completa.
"Esperamos que o processo da RPU se consolide como mais uma estratégia em nossa defesa dos direitos dos povos indígenas, atuando como instrumento de proteção dos direitos humanos, indígenas e ambientais. É essencial reconhecer que as corporações envolvidas em tais violações estão cometendo atos criminosos. Essas ações não devem ser vistas apenas como atos isolados, mas sim em uma escala mais ampla, pois ao violar os direitos indígenas, impacta-se toda a humanidade. Assim, além das legislações nacionais e internacionais, essas infrações devem ser consideradas sob uma ótica mais abrangente. É essencial que os estados assumam o compromisso, dentro da ONU, de integrar um mecanismo global onde reconheçam a necessidade de monitorar e cobrar mutuamente ações que respeitem os direitos humanos, indígenas e ambientais", diz Kari Guajajara (Brasil), Assessora Jurídica, Organização Indígena Nacional da Amazônia Brasileira (COIAB).
Esta não é a primeira vez que o Canadá enfrenta alegações dentro do Sistema Universal das Nações Unidas devido às atividades de suas corporações no exterior. Seis recomendações foram direcionadas ao Canadá durante o 3º ciclo da Revisão Periódica. Estas abordaram, entre outras preocupações, a garantia e proteção essencial dos direitos humanos pelas empresas canadenses. No entanto, mesmo após se comprometer a atender a essas recomendações, o Canadá falhou consistentemente em cumprir suas obrigações extraterritoriais, negligenciando tomar medidas efetivas para supervisionar atividades corporativas nacional e internacionalmente.
"Nosso relatório revela a perturbadora realidade por trás dos empreendimentos corporativos do Canadá na América Latina. Enquanto o Canadá se gaba de uma conduta empresarial ética e se posiciona como "pró-clima", as evidências documentadas revelam a proteção do Canadá às indústrias extrativas responsáveis por significativos danos aos direitos humanos e ambientais - onde o lucro é priorizado sobre as pessoas e o meio ambiente", conclui Gisela Hurtado, gerente de Incidência Política da Amazon Watch.
A delegação presente em Genebra é composta por Mauricio Terena da APIB; Maria Judite "Kari" Guajajara da COIAB; Josefa de Oliveira, Educadora Popular do Movimento Xingu Vivo Para Sempre; Lorena Aranha Curuaia, Vice-Presidente da Comunidade Iawá; e Brayan Mojanajinsoy Pasos, Secretário Geral da Associação de Conselhos Indígenas do Município de Villagarzón Putumayo (ACIMVIP), e teve o apoio das organizações Amazon Watch, AIDA, Earthworks, Gaia e Ambiente y Sociedad.
Resumo dos casos principais de empresas canadenses envolvidas em violações de direitos destacadas no relatório
1. Frontera Energy no Lote 192 no Peru:
- Mais de 2.000 locais contaminados, afetando 26 comunidades indígenas amazônicas.
- O plano proposto de encerramento da atividade não inclui reparações para as comunidades afetadas.
2. Mineradora Argentina Gold SRL (parceria entre Barrick Gold e Shandong Gold):
- Responsável por pelo menos cinco vazamentos de substâncias tóxicas, incluindo cianeto e arsênio, no Rio Jáchal na Argentina a partir da mina Veladero.
- O projeto viola a Lei dos Glaciares devido à sua localização em uma zona glacial e afeta o patrimônio mundial da biodiversidade reconhecido pela UNESCO, a Reserva San Guilhermo.
3. Projeto Volta Grande da Belo Sun no Brasil:
- Impactos cumulativos com a hidrelétrica Belo Monte, localizada a menos de 10 km do local de mineração prospectado.
- Forças de segurança armadas contratadas pela mineradora para monitorar líderes locais e impedir sua locomocação.
- Total desrespeito ao Consentimento Livre, Prévio e Informado de comunidades indígenas e ribeirinhas.
- Riscos iminentes e irreversíveis de uma tragédia ambiental se resíduos tóxicos forem lançados no Rio Xingu devido a uma possível ruptura da barragem, dada a falta de estudos de segurança sísmica e de barragens de rejeitos.
- Impacto direto nas comunidades, seus meios de subsistência tradicionais e ecossistemas locais.
4. Mina Varadero no Chile:
- Contaminou fontes de água com mercúrio, impactando populações rurais e crianças.
5. Barragem Hidrosogamoso da ISAGEN - Brookfield Asset Management na Colômbia:
- Prejudicou significativamente os ecossistemas e comunidades locais.
6. Projetos de mineração da American Lithium (Falchani, Macusani e Quelccaya) no Peru:
- Liberam regularmente resíduos tóxicos, afetando mais de 700.000 pessoas e contaminando as bacias do Lago Titicaca e do Rio Amazonas.
7. Projeto de mineração Warintza da Solaris Resources Inc. no Equador:
- Ignorou os direitos territoriais do povo indígena Shuar Arutam e adotou táticas divisionistas.
8. Projeto de mineração Ixtaca no México:
- Suspenso devido a violações dos direitos indígenas.
9. Projeto de mineração El Pato II na Guatemala:
- Afetou as comunidades maias Poqomam e mestiças sem a devida consulta prévia.
10. Projeto de mineração Mocoa da Libero Copper na Colômbia:
- Prejudicou diretamente o território ancestral do povo Inga, violando seus direitos.
11. Projeto de extração de ouro Machado da Cosigo Resources LTD na Colômbia:
- Impactou gravemente locais sagrados indígenas no território Yaigojé Apaporis.
12. Mina Pueblo Viejo da Barrick Gold na República Dominicana:
- Forçou o deslocamento de 65 famílias locais devido à barragem de rejeitos El Llagal.
13. Projetos de mineração de La Plata pela Atico Mining Corporation e Las Naves pela Curimining S.A. (subsidiária da Adventus Mining Corporation) e Salazar Resources Limited no Equador:
- Tentaram legalizar suas operações apesar de violarem leis nacionais e internacionais de direitos humanos, levando a confrontos e ferimentos.
14. Lote 95 da Petrotal no Peru:
- Protestos exigindo direitos da comunidade resultaram em várias mortes pelas forças policiais que guardavam o campo de petróleo.
15. Equinox Gold no Brasil:
- Ocultou dados sobre suas operações e impactos, incluindo uma ruptura de barragem.
- 4.000 pessoas diretamente impactadas por resíduos tóxicos resultantes da ruptura da barragem que contaminaram rios amazônicos locais, violando o direito a um ambiente limpo e acesso adequado à água potável.
- Criminalização de líderes comunitários locais que protestavam pelo direito à água.
16. Gran Tierra Energy no Equador:
- Conduziu explorações nos blocos Charapa, Chanangué e Iguana sem o devido compartilhamento de informações às comunidades locais.
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