Parecer revela graves lacunas no projeto da mineradora de ouro canadense que pretende se instalar na Volta Grande do Xingu (PA). Com grande probabilidade de falha na barragem, rejeitos podem atingir o rio Xingu em sete minutos.
Altamira, Brasil. Em apenas sete minutos, um volume de aproximadamente 9 milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos podem atingir o rio Xingu, no Pará, e percorrer mais de 40 quilômetros em duas horas, provocando impactos irreversíveis no meio ambiente, povos indígenas e ribeirinhos que vivem ali e na Amazônia. Este é o cenário conservador caso a barragem de rejeitos do projeto Volta Grande da mineradora Belo Sun Mining se rompa, aponta parecer técnico. O documento atesta a inviabilidade do empreendimento e recomenda que o projeto seja rejeitado pelas autoridades reguladoras brasileiras.
Belo Sun afirma que, em caso de acidente, os rejeitos chegariam ao rio em 97 minutos, mas não justificam os detalhes do cálculo utilizado. Esse é um dos exemplos destacados no parecer que também alerta para a alta probabilidade de falha da barragem. O estudo, assinado pelo Dr. Steven H. Emerman, especialista em geologia e mineração, aponta uma série de lacunas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pela mineradora.
A empresa promete ser a maior mineradora de ouro a céu aberto do Brasil e pretende se instalar na Volta Grande do Xingu, um dos locais com maior biodiversidade do mundo que já enfrenta os impactos da hidrelétrica de Belo Monte. A região abriga duas Terras Indígenas e diversas comunidades ribeirinhas.
Com a Licença de Instalação (LI) suspensa pela Justiça desde 2017, a empresa aguarda resposta da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semas) do Pará para prosseguir com o processo de licenciamento.
Uma ação do Ministério Público Federal que questionou a falta de estudos do componente indígena no EIA e a ausência do processo de Consulta Livre Prévia e Informada aos povos indígenas e ribeirinhos impactados ensejou a suspensão da LI. No início deste ano, a empresa protocolou os Estudos de Impacto Ambiental do Componente Indígena na Funai, que deve analisá-los e pode requerer informações complementares.
Antes da aprovação dos estudos pelo órgão indigenista, o processo de consulta aos Juruna (Yudjá), deve ser finalizado de acordo com seu Protocolo de Consulta que afirma a necessidade da transparência como fundamento desse processo: “Para entendermos os impactos e riscos de qualquer projeto, exigimos que as informações sejam dadas em palavras simples e de forma clara, até que todas nossas dúvidas e questionamentos sejam respondidos”, diz o texto.
A partir do parecer de Emerman, a Rede Xingu + e o Movimento Xingu Vivo Para Sempre encaminharam ofício a Funai sugerindo que sejam solicitados estudos complementares, que são “indispensáveis para a avaliação da viabilidade socioambiental e cultural do projeto de mineração Volta Grande, considerando, sobretudo, o grave risco sobre as comunidades indígenas e ribeirinhas localizadas à jusante do local projetado para abrigar a barragem de rejeitos”. O documento também foi enviado à Semas.
O documento destaca que a Volta Grande do Xingu já sofre com impactos negativos da implementação do Hidrograma de Consenso da UHE Belo Monte, medida que reduz drasticamente as vazões do Rio Xingu na região. Isso agrava os riscos diante de um eventual acidente com a barragem de rejeitos, prevista no projeto de Belo Sun. Assim, é necessária uma avaliação mais acurada sobre impactos cumulativos dos dois empreendimentos, como tem sido demandado na justiça pelo Ministério Público Federal de Altamira.
O parecer faz parte de uma articulação de pesquisadores independentes de vários campos de atuação, vinculados a instituições nacionais e internacionais. No último mês, o grupo encaminhou para os órgãos de licenciamento do projeto de Belo Sun, um parecer técnico que destaca lacunas nos Estudos de Impacto Ambiental Componente Indígena sobre os ecossistemas aquáticos e ictiofauna da Volta Grande do Xingu apresentados pela mineradora.Outro relatório será apresentado com comentários técnicos sobre os documentos associados ao licenciamento ambiental do projeto.
A articulação conta, ainda, com organizações como a Rede Xingu +, Movimento Xingu Vivo Para Sempre, Amazon Watch, ISA, International Rivers, Above Ground e Associação Interamericana para a Defesa do Meio Ambiente (AIDA).
Falhas, insegurança e informações conflitantes
De informações conflitantes à ausência de critérios de segurança sísmica, o parecer do Dr Emerman destaca oito pontos principais que embasam a recomendação de rejeição do projeto Volta Grande:
1. A barragem de rejeitos não foi desenhada sob nenhum critério de segurança sísmica, violando os regulamentos brasileiros sobre barragens de rejeitos. Qualquer barragem de rejeitos deve ser projetada para resistir a eventos como inundações e terremotos. Na contramão da norma brasileira, a empresa não incluiu em seus estudos uma análise da sismicidade local e nem simulou a resposta da estrutura a uma hipotética aceleração sísmica.
2. Embora falhas geológicas tenham sido mapeadas no local da barragem de rejeitos, não foram feitos estudos da sismicidade local, o que também viola os regulamentos brasileiros das barragens de rejeitos. A atividade sísmica é responsável por provocar a diluição dos rejeitos saturados na água, sendo esta uma das causas mais comuns de falhas em barragens de rejeitos.
No Brasil, apenas em 2019, ocorreram três falhas de barragem, com destaque para o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), que provocou ao menos 250 mortes. Casos como esses demonstram a necessidade e a importância de estudos da sismicidade local, sendo indispensáveis para a adequada avaliação do risco de falha de uma barragem de rejeitos.
3. Não foram feitas análises de risco das falhas geológicas mapeadas nas proximidades do local do projeto. Três destas falhas, que são estruturas presentes nas rochas e que podem promover movimentos sísmicos, se cruzam no local exato da barragem de rejeitos proposta.
4. A simulação oficial de ruptura assume, sem nenhuma justificativa, que o escoamento de rejeitos seria interrompido ao chegar ao rio Xingu, ignorando a capacidade de elementos tóxicos percorrerem dezenas de quilômetros ao longo da Volta Grande. As conclusões do EIA defendem, ainda, a hipótese de que o escoamento dos rejeitos demoraria 97 minutos para chegar ao Xingu, mas não justificam os detalhes do cálculo utilizado.
Conforme a modelagem apresentada no parecer, considerando o volume de rejeitos armazenados da ordem de 35 milhões de metros cúbicos e supondo um derramamento de aproximadamente 25% dos rejeitos, em um cenário conservador, a inundação percorreria uma distância inicial de até 41 quilômetros ao longo do rio. Com uma velocidade de 20 km/h, a inundação da barragem de Belo Sun chegaria ao Xingu em apenas sete minutos, cobrindo a distância de 41 km em apenas duas horas, atingindo a Terra Indígena Arara da Volta Grande. Após o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, a corrida de rejeitos atingiu 120 km/h, 100 km/h a mais do que o cenário mais conservador proposto no parecer.
No pior cenário, com a liberação de 100% dos rejeitos armazenados, o fluxo inicial cobriria 98 quilômetros ao longo do rio Xingu, podendo chegar ao rio Amazonas e ao Oceano Atlântico.
5. Existe alto risco de águas tóxicas serem derramadas no Xingu. O projeto prevê que o lixiviado de cianeto, substância utilizada para separar o ouro, seja reciclado, o que pode resultar em uma água de rejeitos altamente enriquecida com elementos tóxicos, como arsênico e mercúrio. O resultado, cuja análise é ausente em documentos oficiais, pode ser o derramamento de uma mistura de rejeitos e água que seria altamente tóxica para os organismos aquáticos no rio Xingu em caso de falha da barragem ou situações de vazamento.
6. No EIA não existe um plano de fechamento da mina nem da barragem de rejeitos, questão fundamental para viabilidade socioambiental do projeto de mineração. O documento afirma ser uma promessa do grupo empreendedor descobrir, a posteriori, como estabilizar permanentemente a barragem de rejeitos.
7. O sistema de armazenamento de rejeitos adotado até o momento é inviável e vai na contramão das boas práticas de mineração. Parte da solução para reduzir a probabilidade de falha da barragem de rejeitos passa por diminuir o teor de água no depósito dos rejeitos. O projeto de Belo Sun, no entanto, prevê que todos os rejeitos ficarão saturados e sob sete metros de água livre, acima da superfície dos rejeitos sólidos.
8. Ciente da questão apontada no item anterior, a empreendedora aparenta ter decidido que o plano atual de inundação dos rejeitos é inviável. O presidente executivo da Belo Sun Mining declarou a MiningWatch Canadá que abandonaria o plano atual em favor de uma instalação de armazenamento de rejeitos filtrados, que deverá apresentar teor de água significativamente inferior. No entanto, a companhia forneceu informações contraditórias às organizações e autoridades reguladoras brasileiras: em apresentação à Funai, em outubro de 2019, a empresa descreveu o mesmo plano de armazenamento de rejeitos úmidos do EIA.
“Esse fornecimento de informações contraditórias a diferentes públicos pela Belo Sun Mining e pela sua subsidiária brasileira são muito graves em termos de confiabilidade das informações fornecidas nos processos administrativos”, reitera o ofício.
Com base nos oito pontos elencados, o parecer recomenda que o projeto seja sumariamente rejeitado pelas autoridades reguladoras brasileiras.
CONTATOS
Dr. Steven Emerman, Malach Consulting, +1-801-921-1228 (Utah, USA)
Brent Milikan, Amazon Program Director, International Rivers, +55-61-98153-7009 (Brasília, Brasil)
Karyn Keenan, Director, Above Ground, +1-613-791-7532 (Ottawa, Canada)
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